
REFLEXÕES (IV)
Eu sinto que nasci para o pecado,
se é pecado, na Terra, amar o Amor;
anseios me atravessam, lado a lado,
numa ternura que não posso expor.
Filha de um louco amor desventurado,
trago nas veias lírico fervor,
e, se meus dias a abstinência hei dado,
amei como ninguém pode supor.
Fiz do silêncio meu constante brado,
e ao que quero costumo sempre opor
o que devo, no rumo que hei traçado.
Será maior meu gozo ou minha dor,
ante a alegria de não ter pecado
e a mágoa da renúncia deste amor!
Gilka Machado
Volúpia
Tenho-te, do meu sangue alongada nos veios,
à tua sensação me alheio a todo o ambiente;
os meus versos estão completamente cheios
do teu veneno forte, invencível e fluente.
Por te trazer em mim, adquiri-os, tomei-os,
o teu modo sutil, o teu gesto indolente.
Por te trazer em mim moldei-me aos teus coleios,
minha íntima, nervosa e rúbida serpente.
Teu veneno letal torna-me os olhos baços,
e a alma pura que trago e que te repudia,
inutilmente anseia esquivar-se aos teus laços.
Teu veneno letal torna-me o corpo langue,
numa circulação longa, lenta, macia,
a subir e a descer, no curso do meu sangue.
GILKA MACHADO
Esboço
Teus lábios inquietos
pelo meu corpo
acendiam astros...
e no corpo da mata
os pirilampos
de quando em quando,
insinuavam
fosforecentes carícias...
e o corpo do silêncio estremecia,
chocalhava,
com os guizos
do cri-cri osculante
dos grilos que imitavam
a música de tua boca...
e no corpo da noite
as estrelas cantavam
com a voz trêmula e rútila
de teus beijos...
GILKA MACHADO
Fecundação
Teus olhos me olham
longamente,
imperiosamente
de dentro deles teu amor me espia.
Teus olhos me olham numa tortura
de alma que quer ser corpo,
de criação que anseia ser criatura
Tua mão contém a minha
de momento a momento
é uma ave aflita
meu pensamento
na tua mão.
Nada me dizes,
porém entra-me a carne a persuasão
de que teus dedos criam raízes
na minha mão.
Teu olhar abre os braços,
de longe,
à forma inquieta de meu ser,
abre os braços e enlaça-me toda a alma.
Tem teu mórbido olhar
penetrações supremas
e sinto, por senti-lo, tal prazer,
há nos meus poros tal palpitação,
que me vem a ilusão
de que se vai abrir
todo meu corpo
em poemas.
GILKA MACHADO
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